17 de mar. de 2011

O que não pode faltar na creche

Para que as turmas de 0 a 3 anos se desenvolvam plenamente, é preciso conhecer as características de cada faixa etária e garantir que algumas experiências essenciais façam parte do planejamento. Saiba como trabalhá-las e por que são tão importantes

1. Brincar
BRINCAR Brinquedos com peças de montar, encaixar, jogar e empilhar possibilitam desafios.

Por que trabalhar Embora a brincadeira seja uma atividade livre e espontânea, ela não é natural, mas uma criação da cultura. O aprendizado dela se dá por meio das interações e do convívio com os outros. Por isso, a importância de prever muito tempo e espaço para ela. "Temos a capacidade de desenvolver a imaginação - e é essa habilidade que o brincar traz", diz Zilma de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP).

O que propor  Uma das primeiras brincadeiras do bebê é imitar os adultos: ele observa e reproduz gestos e caretas no mesmo momento em que acontecem. Com cerca de 2 anos, continua repetindo o que vê e também os gestos que guarda na memória de situações anteriores, tentando encaixá-los no contexto que acha adequado. Tão importante quanto valorizar essas imitações é propor ações físicas que possibilitam sensações e desafios motores. "É pela experimentação que a criança se depara com as novidades do espaço, sente cheiros e percebe texturas, tamanhos e formas", explica Ana Paula Yasbek, coordenadora pedagógica da Escola Espaço da Vila, em São Paulo. 


Alguns brinquedos também fazem sucesso nessa fase. Os mais adequados são os de peças de montar, encaixar, jogar e empilhar, além dos que fazem barulho. É preciso ter cuidado com a segurança e só usar objetos maiores do que o tamanho da boca do bebê quando aberta.

Para um trabalho eficiente, uma boa estrutura é essencial. Isso inclui ter material suficiente para que todos consigam compartilhar e um bom espaço de criação. "Os ambientes devem ser convidativos e contextualizados com a história que se quer construir", diz Ana Paula. Uma área ao ar livre, mesmo que com poucas árvores, vira uma grande floresta. Uma sala bem cuidada, rica em cores e com variedade de brinquedos e estímulos igualmente possibilita momentos criativos, prazerosos e produtivos.

BRINCAR Momento de construir histórias e perceber formas e texturas 

2. Linguagem oral
Por que trabalhar  Quando o bebê se expressa com gritos ou gestos, ele tem uma intenção. "Mesmo os que têm pouco vocabulário ou que ainda não falam com desenvoltura estão participando da atividade comunicativa de forma competente e correta", diz Maria Virgínia Gastaldi, Editora de Educação Infantil da Editora Moderna. Para que a linguagem oral se desenvolva, cabe ao professor reconhecer a intenção comunicativa dos gestos e balbucios dos bebês, respondendo a eles, e promover a interação no grupo.

LINGUAGEM ORAL Gestos, diferentes expressões faciais, balbucios e gritos dão início à fala. 

O que propor  Desde muito cedo, cantigas de roda, parlendas e outras canções são meios riquíssimos de propiciar o contato e a brincadeira com as palavras e de estimular a atenção a sua sonoridade. "O burburinho das conversas entre os pequenos, falando sozinhos ou com os outros, é riquíssimo. Não se admite mais a idéia de manter a sala em silêncio, com aparência que está tudo ‘sob controle’", diz Regina Scarpa, da FVC. 


As rodas de conversa, feitas diariamente, são uma oportunidade de praticar a fala, comentar preferências próprias e trocar informações sobre a família. Nessa situação, há a interação com os colegas e aprende-se a escutar, discutir regras e argumentar. Quanto menor for a faixa etária do grupo, mais necessária será a interferência do educador como propositor e dinamizador dos diálogos. 



3. Movimento 
Por que trabalhar  O movimento é a linguagem dos pequenos que ainda não falam e continua sendo a maneira de se expressar daqueles que já se comunicam com palavras. "O pensamento é simultâneo ao movimento e, por isso, não se pede que eles fiquem sentados ou quietos por muito tempo. Evitar que se mexam é o mesmo que impedi-los de pensar", explica Maria Paula Zurawski, assessora de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Portanto, quanto mais o professor incentivar o movimento, maior será o aprendizado de cada um sobre si mesmo e o desenvolvimento da capacidade de expressão.

Na creche, os pequenos vão conhecendo os limites do corpo e as conseqüências das ações
O que propor  O bebê precisa participar de atividades que ampliem o repertório corporal para que percorra um caminho de gradativo controle dos movimentos até conseguir se levantar e andar. Aos poucos, ele passa a ter consciência dos limites do corpo e da conseqüência de seus movimentos. São situações indicadas para o amadurecimento motor passar por obstáculos como túneis, correr e brincar no escorregador.


Os espaços da creche devem ser desafiadores e, ao mesmo tempo, seguros. São ambientes propícios para as atividades desse tipo tanto o pátio como a sala. Ali, são colocados bancos ou caixas que sirvam de apoio para os que estão começando a andar e ficam distribuídos brinquedos de equilíbrio. Enquanto a turma se mexe para lá e para cá, não se perde um lance. Um educador atento sabe quando um suspiro revela cansaço ou uma careta demonstra algum desagrado. 

4. Arte
ARTE Materiais de texturas e cores variadas, como tintas comestíveis, aguçam os sentidos.
Por que trabalhar  A música e as artes visuais são dois meios de os pequenos entrarem em contato com o que ainda não conhecem. Nessa fase, as linguagens se misturam e um mesmo objeto, como um giz de cera, pode ser usado para desenhar ou batucar. "Aqueles que têm oportunidade de participar de atividades nessas áreas certamente desenvolvem mais a capacidade cognitiva", diz Silvana Augusto, formadora do Instituto Avisa Lá.

O que propor  Quanto mais variadas as experiências apresentadas, maior a garantia de qualidade no desenvolvimento do grupo. Escutar sons, como os produzidos por batidas em várias partes do próprio corpo e pela manipulação de objetos, ouvir canções de roda, parlendas, músicas instrumentais ou as consideradas "de adulto" faz a diferença nessa fase. Além de ouvir e repetir um repertório já conhecido, a turma deve ser orientada a improvisar e criar canções, brincar com a voz, imitar sons de animais e confeccionar instrumentos. "A música contribui para um desenvolvimento pleno e harmônico, já que incide diretamente na sensibilidade, na expressão e na reflexão", afirma Teca Alencar de Brito, co-autora do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. 

Da mesma maneira, o ideal são atividades de artes visuais diversificadas. Uma boa prática inclui desenhos - e não o preenchimento de modelos prontos -, pinturas ou esculturas usando diversos materiais e possibilitar o contato com novos recursos visuais para ampliar as referências artísticas. As produções da classe ficam à disposição para que sejam observadas e comentadas e para que cada um reconheça o que é de sua autoria. 

5. Identidade e autonomia
Por que trabalhar  O bebê nasce em uma situação de total dependência e, pouco a pouco, necessita se tornar autônomo. "Enquanto adquirem condições para realizar ações, as crianças começam a saber das conseqüências de suas escolhas", explica Beatriz Ferraz, coordenadora pedagógica do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária, em São Paulo. Autonomia e identidade se desenvolvem simultaneamente e, mesmo num ambiente coletivo, é preciso dar atenção individualizada às crianças.

AUTONOMIA aprender a se alimentar sozinho é caminho para se tornar independente 

O que propor  As melhores experiências são as pautadas pelo relacionamento com os outros e pela demonstração de preferências. "Se a criança não tem opção, como vai decidir?", diz Cisele, do Avisa Lá. É essencial oferecer possibilidades - na hora da brincadeira ou da merenda, por exemplo - para que os pequenos sejam incentivados a se conhecer melhor e a optar. Ao servir os alimentos sem misturá-los, o educador permite a cada um identificar aquilo de que mais gosta. Oferecer a colher para que todos comam sozinhos também é primordial. Por meio da observação, uns aprendem com os outros. Mesmo que no começo façam sujeira e demorem para se alimentar, aos poucos adquirem a destreza do movimento.

A organização do ambiente em cantos de atividades é outro meio de favorecer o exercício de escolha, já que cada um define onde brincar, com quem e por quanto tempo. Para ajudar na construção da identidade, cabe ao educador chamar cada um pelo nome e ressaltar a observação dos aspectos físicos individuais. "Colocar grandes espelhos nas salas, ter fotos de cada um junto dos cabides em que penduram as mochilas, identificar as pastas com o nome e um desenho, por exemplo, são ótimas maneiras de estimular a atenção para as próprias características e fazê-los perceber a diferença e semelhança em relação aos colegas", diz Cisele. 

Quais os procedimentos para potencializar o desenvolvimento nessa faixa etária?
A primeira coisa a fazer é incentivar o uso da ferramenta mais poderosa, que é o corpo. Por meio dele, a criança entra em contato com texturas, temperaturas e gostos. Outras ações são estimular a linguagem verbal - por meio de histórias e músicas - e a imitação, entendendo a necessidade de reproduzir gestos e falas e procurando valorizar a expressão individual de cada um.


Fotos:  da CM Zuzu Angel.



Beatriz Santomauro e Luisa Andrade. Colaboraram Bianca Bibiano, Denise Pellegrini, de Curitiba, PR; Julia Browne, de Belo Horizonte, MG; Thaís Gurgel, de Sobral, CE; e Vilmar Oliveira, de São José dos Campos, SP.



Nenhum comentário:

Postar um comentário